O futuro do Direito está na soma de várias mãos
- Rafaela Mueller

- 25 de nov.
- 3 min de leitura
No Direito, ainda existe a expectativa silenciosa de que o advogado resolva tudo sozinho. Mas conflitos são complexos e exigem múltiplas competências — jurídicas, emocionais, relacionais e estratégicas. Assim como na Medicina, o futuro da resolução de conflitos está na atuação integrada de diferentes profissionais. Este artigo reflete sobre a maturidade da advocacia em reconhecer que colaboração não reduz a nossa relevância — amplia o impacto do nosso trabalho. Porque o futuro do Direito está, de fato, na soma de várias mãos.

Há algum tempo venho observando uma comparação que faz cada vez mais sentido para mim. Na Medicina, ninguém questiona que cada profissional tem seu lugar, sua função e sua importância. Se alguém sente dor no peito, procura um cardiologista. Se machuca o joelho, vai ao ortopedista. Se precisa cuidar da mente, busca um psicólogo ou psiquiatra. E, quando o caso envolve múltiplas camadas, uma equipe se forma naturalmente: clínico, fisioterapeuta, nutricionista, terapeuta ocupacional e tantos outros. Cada um contribui com sua parte, sem disputa de ego, sem sobrecarga, sem a expectativa de resolver absolutamente tudo sozinho.
Essa forma colaborativa de atuar não é vista como fragilidade, mas como evolução. É vista como cuidado. E é justamente aí que comecei a refletir sobre a minha própria área.
No Direito, ainda carregamos — muitas vezes sem perceber — a ideia de que o advogado deve ocupar todas as funções que orbitam um conflito. Espera-se que acompanhe juridicamente, acolha emocionalmente, administre expectativas, conduza negociações, faça mediação, gerencie crises, traduza sentimentos e ainda finalize todo o processo com excelência técnica. Falo isso com carinho pela classe à qual pertenço, porque durante muito tempo também acreditei que assumir tudo era parte da responsabilidade profissional.
Mas existe um ponto importante: assim como nenhum médico tenta acumular todas as especialidades, nenhum advogado deveria carregar sozinho todas as dimensões de um conflito.
Quando comecei a compreender isso, percebi o quanto ainda somos condicionados a trabalhar de forma centralizada. E não é por falta de profissionais capazes, mas por uma cultura que demora a reconhecer que o ecossistema da resolução de conflitos é tão plural quanto o ecossistema da saúde.
Se o Direito funcionasse como a Medicina, teríamos espaços mais claros para o trabalho do advogado, para o mediador, para o psicólogo quando necessário, para o negociador profissional, para consultores organizacionais e para tantos outros especialistas que podem atuar como partes essenciais da mesma solução. Um conflito raramente é apenas jurídico. Ele é humano, relacional, histórico e emocional. E quando tentamos tratá-lo sozinhos, deixamos inevitavelmente alguma dimensão descobertas.
Com o tempo, percebi que a centralização não é sinal de força; é sinal de sobrecarga. E essa sobrecarga afeta o advogado, o cliente e a qualidade do resultado. Assim como na Medicina, o que realmente promove “cura” não é a atuação solitária de um profissional, mas o trabalho integrado de uma equipe que compreende diferentes camadas do problema.
Hoje, quando olho para minha profissão, vejo que o futuro do Direito está menos na figura do profissional que carrega tudo e mais na colaboração entre especialidades. Direito não é prática isolada. É construção coletiva. E uma construção coletiva só funciona quando cada profissional encontra seu espaço legítimo — com clareza, respeito e propósito.
Talvez essa seja a grande lição da Medicina para nós. Não existe médico de tudo. E, com cuidado e maturidade, podemos aceitar que também não existe advogado de tudo. O que existe é um conjunto de profissionais capazes de atuar juntos para entregar uma solução mais humana, mais eficiente e mais sustentável para quem precisa.



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